sábado, 7 de abril de 2012

Reflexões (3)

Em  6 de abril de 2012.

Ando sentindo coisas curiosas. E muito boas.Têm-me vindo ao pensamento lembranças, sem mais nem menos, sem nenhum relacionamento direto com o que estou fazendo ou pensando. Sem relação direta, mas alguma sempre tem, embora muito sutil.
Não fui claro. Mas não são claros também estes pensamentos, embora sejam muito agradáveis, e, curiosamente, vêm acompanhados logo de imagens de fotos, talvez por estarem sempre muitas me povoando a mente. Então, prazerosamente desenvolvo-os, e vou longe, lembrando dos nossos primeiros anos de casados, da simplicidade que era a nossa vida, do filho pequeno, dos nossos cabelos ainda longe de ficarem grisalhos. Não quero “voltar”, jamais; não tenho saudades. Tenho lembranças maravilhosas (esqueço as desavenças e as discussões – sei que as houve), e só repasso as coisas boas.
Continuo não sendo claro nessas minhas reflexões, eu sei. Mas como é que posso ser claro, se aqui, sentado em frente ao computador, penso na cena que descortinava do 9º andar (9º ou 7º ?) do edifício onde morávamos? Chovia, fazia frio, e de lá de cima eu via os carros espalhando a água do asfalto.
Essas lembranças vêm acontecendo a toda hora. Se comentasse com alguém, superficialmente esse alguém diria: “Saudosismo”. Pode ser. Mas não é só isso. Acho que estou impregnado de tantas coisas boas que me aconteceram durante a vida, que as lembranças me vêm à mente, sem que eu necessite de nenhuma comparação com o meio em que estou, para retirá-las do arquivo. A toda hora brotam, espontâneas, por isso desligadas de qualquer fator que as una com a vida atual. Nunca comparo meus dois tempos, presente e passado, nunca penso que antes era melhor, porque sei que não era. Tenho muitas coisas boas no presente, tantas quantas tive no passado, mas são diferentes, é claro.
Será que isso acontece por causa da idade? Talvez. Por causa dela, passei a habitar um mundo diferente, paralelo àquele onde mora o povo que me rodeia. Bem melhor, porque agora conheço os dois, e posso compará-los.
Por causa da idade, a cabeça da gente – da gente, não, a minha; a dos outros, não sei – muda tanto, tanta coisa surge, que essas coisas que vêm acontecendo comigo podem ter aí a causa. O mundo que habito é outro, onde vivem as pessoas com mais de sessenta, e não se mistura com o mundo dos de menos de sessenta, do rebuliço, dos escritórios, dos horários e dos congestionados feriados prolongados; no meu, não pago passagem, os bancos são amarelos, faço xixi de graça, mexo mingau com o fogo apagado e as pessoas que não moram nele dão-me lugar nas conduções. Um mundo que as pessoas respeitam mas não querem estar nele, e onde passei a ser, de repente, agradavelmente respeitado, todos acham que eu preciso de ajuda nas menores coisas, e eu acho graça e deixo pensarem e aceito, mas também onde, infelizmente, muitos dos habitantes desse meu mundo se comprazem em chorar as mágoas pelas suas doenças e pelos seus achaques.
É bom morar aqui nesse mundo, mas é preciso tomar certos cuidados. Não me meter, por exemplo, num acidente de trânsito. Ainda que não tenha sido, haverá sempre a dúvida se a culpa foi minha ou não (Será que ele estava atento?). Não posso deixar cair um copo, não posso esquecer a luz acesa, tampouco a chave do lado de fora da porta, porque... "meus reflexos já não são os mesmos". Tudo o que sai errado, será por causa da idade. Até me desculpam, mas, condescendentes, não pesquisam a verdade.
Divaguei feio. Saí do tema. Divaguei pra mostrar os dois mundos.
Voltando ao assunto dessas reflexões. Aquelas lembranças de que falei: acontecem, acho que é mesmo, indiretamente, por causa da idade. O pensamento ficou mais solto – se bem que nunca foi muito preso – por isso penso, prazeroso, o que me vem, e na hora que me vem. Sem regras, inconscientemente. Deve ser isso. Às vezes pago mico, mas é muito bom assim mesmo.